Ponderações de um leitor

Ponhamos de lado as demagogias e chamemos as coisas pelos nomes e ponhamos de lado os falso argumentos. Os motivos pelos quais há tantos carros nos passeios das nossas cidades são os mesmíssimos motivos pelos quais há tantas viaturas em segunda fila, há tantas infracções ao código da estrada e há tantas, tantas mortes inúteis em acidentes de viação: porque não existe em Portugal civismo nem autoridade!
O problema não se resume a uma questão de desrespeito dos peões pelos condutores, como a ideia por trás da iniciativa deste blog parece querer-nos fazer crer. Infelizmente, o problema é uma questão de desrespeito de todos por todos, incluindo dos condutores pelos próprios condutores, é uma questão cultural de violação impune das regras.
Esta cultura da impunidade resultou em Portugal na legitimação inconsciente da apropriação individual da coisa pública: os passeios são ocupados pelas viaturas porque deixaram de ser entendidos como um bem público mas sim como um espaço disponível para utilização individual.
Deste modo, não é com campanhas como a do autocolante, que até pode ser contraproducente pelo grau de irritação que pode causar, mas que ainda assim merece a minha simpatia, que isto se resolve. O problema resolve-se actuando sobre os dois motivos que estão na sua origem: desenvolvendo campanhas cívicas e fazendo as autoridades cumprirem a lei.
A mudança de mentalidades infelizmente demora muito, muito tempo a surtir efeito, pelo que é preciso exigir que as autoridades comecem urgentemente a fazer aquilo para que existem: para garantir o cumprimento da lei! A minha sugestão passa por existirem campanhas de sensibilização na televisão e na rádio e folhetos deixados no pára-brisas dos carros, procurando mostrar às pessoas que é errado estacionar em cima dos passeios e alertando que a partir de uma determinada data (por exemplo, seis meses ou ano) as autoridades serão verdadeiramente interventivas. A partir dessa data, as autoridades deveriam ser absolutamente implacáveis e multar todas as situações de incumprimento. No final do prazo, deixaríamos de ver carros em cima dos passeios! Não se trata de caça à multa, trata-se de cumprimento da lei!

HN (omitimos o nome por não termos a autorização expressa de o publicar)

A nossa resposta

Caro HN Este blog não quer fazer crer que o problema se reduza ao estacionamento em cima de passeios e de passadeiras. Infelizmente, temos de concordar consigo quando diz que esse é um problema que se inclui num quadro mais geral - e por isso mais grave - de incivilidade. De facto, o que se passa é que o que é público é visto como o que não é de ninguém, quando uma das características da civilização é tomar o que é público como o que é de todos. Mas, diante do quadro geral, é preciso começar por algum lugar. Nós começámos por lutar contra a usurpação de passeios e passadeiras - não apenas por ser uma manifestação de incivilidade grave em si mesma, mas também por ser paradigmática.

Quanto ao risco de o autocolante ser contraproducente pela irritação que possa causar aos visados, não é o que diz a nossa experiência. Temos exemplos de alterações de comportamento (poucos - sempre soubémos que esta seria uma luta duradoura) e sabemos que aqueles que se revelam incapazes de ouvir o clamor do autocolante, e que se limitam a ficar irritados, não devotariam nada além de desprezo a algum papelinho que fosse pousado no para-brisas. Ao contrário, o autocolante, precisamente por não ser "desprezível", é, no mínimo, provocador de uma discussão que julgamos fundamental - e que foi enriquecida pelos seus comentários e propostas, que talvez nunca tivessem sido escritas se a nossa acção se reduzisse à colocação de inócuos pepelinhos nos para-brisas.

Quanto à sensibilização das autoridades, acredite que muitos de nós tentam agir, individualmente, nesse sentido (foi daqui que surgiu, por exemplo o www.cartasabertas-portugal.blogspot.com , que é vocacionado precisamente para isso). Mas há um princípio fundamental no Passeio Livre: nada - muito menos a gritante omissão das autoridades - pode sequer reduzir a responsabilidade que cabe aos condutores pela maneira como estacionam. Esse é o nosso foco - que não anula outras acções, nomeadamente, as que tentem sensibilizar as autoridades.

Como sugere, era óptimo que quem dispõe de meios para isso fizesse campanhas na comunicação social para tentar sensibilizar as pessoas para a gravidade do estacionamento selvagem. Nós, evidentemente, não temos esses meios mas - e, mais uma vez, permita-nos atribuir o mérito ao autocolante - conseguimos uma considerável cobertura na imprensa, como pode constatar na coluna da direita do blog, sob o título "O Passeio Livre na Comunicação Social".

Saudações,

Passeio Livre

7 comentários:

  1. Concordo que o estacionamento no passeio é apenas uma faceta deste triste povo que cada vez mais olha só para o seu umbigo e se está a borrifar para os outros. Ficaríamos aqui o resto do dia a dar mais exemplos.
    Sim, resume-se a falta de civismo e de autoridade, se se entender como autoridade haver quem fiscalize e faça cumprir as leis. É um dos problemas estruturais deste país. Aquilo que se costuma chamar "país de brandos costumes", expressão muito utilizada em sentido positivo, como se fosse uma coisa boa.
    Este país está cheio de leis, e muitas vezes boas leis, mas que não são cumpridas. Impunemente.

    Portanto, também acho que isto não se resume a uma questão de desrespeito dos peões pelos condutores. É, como diz, uma questão de "desrespeito de todos por todos".

    A relação dos portugueses com a coisa pública é muito peculiar. Começa logo pela nossa falta de identificação com o Estado. O Estado, para um português, não somos nós, é outro.

    Agora, tudo o que diz não impede que eu manifeste a minha indignação por ocuparem os passeios e passadeiras e me obrigarem a andar na estrada, ainda por cima num país de condutores selvagens como é o nosso. Não posso ficar parado à espera de milagres neste país, quero que os meus filhos consigam andar em segurança nos passeios.
    Como diz, a mudança de mentalidades é muito lenta. E neste país, em que os pais e os professores continuam a dar maus exemplos de (falta de) civismo às crianças, essa mudança só poderia ocorrer "à força", ou seja, precisamente com autoridade.
    A autoridade que pode fazer cumprir a lei neste caso é só uma: a polícia. A polícia é chamada inúmeras vezes e não aparece, ou aparece e não multa.
    Recuso-me a riscar automóveis ou a partir vidros. O autocolante é inofensivo, sem dúvida que causa irritação inicial, mas tem dado bons resultados. Tenho casos de condutores que depois do primeiro autocolante nunca voltaram a pôr o carro no passeio.
    É o autocolante que vai resolver o problema? É claro que não. Mas acredito que pode ajudar a começar a resolver o problema. Para já, está a fazer perceber as pessoas que a ocupação dos passeios pelos carros causa indignação e pode perturbar seriamente aqueles que têm maiores problemas de mobilidade (idosos, deficientes, etc.).
    Um folheto é facilmente rasgado e atirado para o lixo (ou para o chão, à boa maneira portuguesa), em 2 segundos. A pessoa nem chega a pensar um bocadinho.
    Quanto às campanhas de sensibilização nos meios de comunicação social, de onde é que vem o dinheiro para as pagar?

    Agora, como HN, acho que, além do autocolante, devíamos ter uma forma de fazer verdadeira pressão sobre as autoridades, fazendo sugestões de actuação, dando ideias, organizar-nos no sentido de um grande número de nós nos queixarmos ao mesmo tempo a uma entidade policial local, etc.

    O Passeio Livre teve uma "aceitação" surpreendentemente boa na comunicação social. Talvez pudesse ir mais longe, mas isso depende dos seus autores, que, presumo, trabalham e têm outras coisas para fazer.

    Também lhe digo: essa de avisar "daqui a 6 meses vai haver tolerância 0" seria uma péssima solução. Porque a polícia não tem meios para multar esta quantidade enorme de carros num curto espaço de tempo. Viu no que deu as campanhas de "tolerância zero" em algumas estradas? E eram só algumas estradas, neste caso estamos a falar de milhares de ruas...

    Questiono-me frequentemente se colar autocolantes é uma boa maneira de lidar com este problema. Até agora tenho concluído que sim. Mal ou bem, convenço-me de que não se trata de uma espécie de vandalismo. Mas admito que me venham a convencer a não o fazer.

    Por enquanto, vou colando uns poucos por dia. em grandes expectativas. Digamos que esperava bons resultados dentro de 1 ou 2 anos. Surpreendentemente, comecei a tê-los ao fim de muito pouco tempo.

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  2. Eu acho que os tipos que fizeram este blog, se pudessem, compravam uma estação de Tv e era 24h por dia a transmitir campanhas. Mas já conseguiram muitos minutos, e com sacrificio pessoal e de borla, apostava eu.

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  3. Se pensarmos bem, não é só falta de civismo e de autoridade. Em grande parte dos casos, é só isso (casos em que não há falta de alternativa). Mas em muitos outros há também o grave problema da posse e utilização do automóvel em Portugal, que ninguém no poder tem coragem para assumir e começar a solucionar.

    Temos automóveis a mais. Juntamente com os italianos, somos os que têm mais automóveis per capita (já ultrapassámos quase toda a gente, só faltam mesmo os italianos!). Sendo nós dos mais pobres da Europa (e muito mais pobres do que os italianos!), isto é obra! Já devíamos ter percebido há muito que temos automóveis em excesso e já devíamos ter começado a reverter a situação. Um dia vai ser inevitável a limitação legal ao número de veículos. Pelo menos nos grandes centros urbanos, onde o problema do excesso de automóveis se faz sentir mais, não podemos continuar com uma situação em que toda a gente pode ter os carros que quiser. Quem não conhece casos em que, na mesma casa, pai, mãe e um ou dois filhos, cada um tem o seu carro? Façam um exercício: olhem para um prédio; contem os apartamentos que esse prédio tem; agora imaginem que há um carro (um só) por cada apartamento. Depois olhem para a rua. Quantos mais prédios há? Quantos lugares de estacionamento seriam precisos? Não há espaço! Não há nem vai haver! Não se pode deitar abaixo todos os prédios antigos, construídos sem garagens, para construir novos com garagens! Nem se pode falar de falta de planeamento urbanístico eficaz, porque a maior parte das ruas e dos prédios foram feitos numa altura em que este problema não se punha nem se esperava que viesse a existir. Em qualquer caso, nós não podemos esperar que os poderes públicos gastem rios de dinheiro para construir parques ou lugares de estacionamento para todos os que quiserem ter carro. O dinheiro vem do nosso bolso, dos nossos impostos. Não cai do céu. Não é ilimitado!
    É claro que com isto não estou a desculpabilizar aqueles que, por falta de alternativa de estacionamento, acabam por estacionar nos passeios. Esses têm que arranjar alternativa, que passe, por exemplo, pela redução do número de veículos por agregado ou pela utilização de transportes públicos. Não podem, pura e simplesmente, resolver o seu problema à custa dos outros.
    Não se consegue compreender como é que numa cidade como Lisboa, por exemplo, bem servida de transportes públicos, quase toda a gente tenha carro, e muitas vezes mais do que um carro por habitação! Quem não tem sítio para pôr o carro, não o pode ter. Isto não devia ser óbvio?
    JS

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  4. Além da falta de civismo e de autoridade e do problema do excesso de automóveis há ainda outro: a falta de exemplo dos que tinham obrigação de dá-lo. Em Portugal, autarcas, governantes e a própria polícia dão o mau exemplo (nisto e em muito mais coisas…). Isto é muito grave. Aqueles que deviam zelar para que a lei fosse aplicada, são os primeiros a não a aplicar.
    Por isso é importante estarmos atentos a esses casos e denunciá-los sempre, fotografar, reclamar, não ficar calados.

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  5. Ao passar por alguns sítios onde tenho colado autocolantes, tenho reparado que a situação hoje é muito melhor do que antes dos autocolantes. Que pena não ter tirado fotografias no início para enviar agora o "antes" e o "depois"! Mesmo nos casos em que as pessoas continuam a pôr os carros no passeio, pelo menos passaram a ter a preocupação de não ocupar o passeio todo ou quase todo. E isso é uma pequena vitória! Sinceramente, quando comecei a pôr autocolantes não esperava uma mudança tão cedo!
    Acho que isto responde ao post deste leitor.
    JL

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  6. Concordo inteiramente com o comentário do anónimo das 10:37 (continuo a não compreender o receio de colocarem um nome fictício ou umas simples letras no final do comentário para podermos referenciá-lo) mas dizia eu, que concordo inteiramente com a sua opinião na medida em que os exemplos (os bons) deveriam sempre vir de cima, e nem sempre isso acontece.
    Há dias, alguém chamou a polícia porque um dos tais "chicos-espertos" resolveu estacionar à entrada do pequeno parque junto ao edifício onde moro, bloqueando a entrada ou saída de qualquer viatura.
    A polícia chegou e onde é que eles estacionaram a sua viatura? Precisamente em cima da passadeira que atravessa a avenida, ocupando-a na totalidade. Armei-me em corajoso, e sentindo alguma protecção porque estavam ali mais pessoas a ver o resultado da acção policial, perguntei a um dos polícias:
    - Acha bem, estacionar o carro em cima da passadeira?
    Se os olhos do homem fossem balas, eu tinha caído ali naquele momento trespassado por dois balázios calibre 45. Ficou-se pelo olhar fulminante possivelmente porque havia muita gente ali à volta mas o carro continuou atravessado na passadeira durante todo o tempo da multa e da chegada do reboque.
    E isto é apenas uma pequena amostra do poder, da soberba e da arrogância de quem deveria dar o exemplo, e não pensem que só acontece com a polícia! Não! Os "bons" exemplos vêm ainda mais de cima: vêm dos nossos governantes: vejam-nos na televisão, a chegar nas suas bombas sem o cinto de segurança; vejam-nos a viajar nas nossas estradas a altíssimas velocidades apenas porque sabem que ninguém os multa; vejam-nos a fumar nos aviões, dias depois da entrada em vigor da lei do tabaco; vejam-nos a se "esquecerem" de declarar os seus rendimentos; vejam-nos a engordar as suas contas bancárias em paraísos fiscais... vejam... vejam!
    Depois, é fácil toda agente pensar: "Então aqueles tipos que nos impõem as suas leis e deveriam dar o exemplo, estão-se nas tintas para as cumprir e eu, o desgraçado que estou cá por baixo e que sou proibido de fazer o que eles fazem, é que tenho que andar na linha e cumprir as leis que eles não cumprem?"

    E pronto! A partir daqui está o caldo entornado e não haverá campanha que dê a volta à situação!
    Isto, como muitas outras situações de falta de civismo, só poderá ser combatido (a longo prazo) com uma educação de base. É logo nas escolas que temos que começar a incutir nas nossas crianças, toda uma educação virada para o respeito pelo próximo e pelo que é público. E é preciso que essa educação não vá depois esbarrar nos maus exemplos dos adultos!
    Enquanto continuarmos a exigir ao comum cidadão, uma coisa e depois fazermos outra, estaremos sempre sujeitos a ouvir do outro lado um sonoro: "Bem prega Frei Tomás!"

    Faísca

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  7. Bom, quanto ao carro da polícia estacionado na passadeira, acho que melhor do que reclamar aos próprios, no local (não serve de nada, porque não tiram o carro), é discretamente fotografar (matrícula visível) e enviar queixa para o chefe da respectiva esquadra e para o IGAI, de preferência com fotografias de lugares de estacionamento livres perto, tiradas à mesma hora.

    Quanto ao mau exemplo que vem de cima, acho que de qualquer forma isso não pode servir de desculpa aos infractores.

    Quanto à educação nas escolas, claro que é fundamental. O problema é quando as crianças saem da escola e deparam com o mau exemplo dos pais. E pior ainda quando acabam de passar o portão da escola e deparam com o mau exemplo dos próprios professores, com carros estacionados nos passeios e nas passadeiras. Aqui onde vivo os professores enchem os passeios com os seus carros, só para ficar a poucos metros do portão de entrada na escola (têm sempre muitos lugares de estacionamento vagos, gratuitos, na mesma rua, no máximo a 100 metros...).
    JF

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